As bordas já iam gordas duma massinha que de cinzenta era negra. Ao longo deles - caninos, molares - aquele degrade ocre, mostarda, amarelo, nunca branco. Os dentes eram uns crepúsculos. Mas nem por isso deixava de cerrar nos lábios o filtro encarnado e acender sucessivamente. Sucessivamente e não compulsivamente, pois que não era ansioso, pelo contrário. E sacudia desleixado a escova dental dentro da boca, depois do café; sacava o bride, socava-o debaixo d’água e punha de novo na boca. Não tinha problema: arrancaria todos os dentes e poria dentadura. Pronto, resolvido.
Perdera o filho há pouco, um acidente. Bebera o salário, jogara a casa para reavê-lo, apostara a mulher para reavê-la e o filho para reavê-los todos. Perdera.
Abotoava agora com as unhas feitas o colarinho branco. Mandaram fazer na manicura. Penteava os cabelos que mandaram cortar e se barbeava, mandaram. E enquanto o cigarro confundia o cheiro da loção e amarelava a dentadura alva, pensava que ontem não devia ter-se endividado na besteira de beber whisky, se o faria hoje de graça. Olhava-se no espelho arrumando o smoking. “Bebi quase nada.” Um trago, rosto algum de celebração. “Mas hoje eu lavo a burra.” Não tinha problema: perdeu-se uma família, faz-se outra. Ia casar dali a pouco. Pronto, resolvido.